quinta-feira, 11 de agosto de 2011

CINEMA-CÃO


Por Mário Luz

Há poucas horas assisti ao primeiro longa do cineasta Alejandro González-Iñárritu, Amores brutos, mas sejamos literais na tradução do título espanhol de Iñárritu e, com isso, iremos ao cerne da questão e do filme. Amor cão, como se diz em Portugal. Agora sim, todos tendo consciência do título-tema, podemos, poderei me expressar. Expressar o meu sentimento-cão, aqui, rosnando pra correr pra fora.
Eu poderia começar pela técnica incrivel do filme e puxar fluidamente o fio seguinte do que eu senti, o que esse cineasta de uma década de trabalho é capaz de descobrir de mim, de nós. Mas não há apenas Amor cão, ele é só o primeiro de uma bem-sucedida fórmula para aquecer Mário. Aquecer com o frio cru que é sua especialidade. A crueza de um mundo apenas de acasos, de falta de entendimento, de sofrimentos constantes, de desencontro, de desespero, da morte que virá num momento ou outro... Não há nada além da vida comum em todo lugar, nenhum drama a mais.
E aí que depois de Amor cão veio 21 gramas e Babel (onde minha fome cinéfila parou - por enquanto). Temos três filmes e um mundo cão que se apresenta a todos eles. As personagens abraçam devagar o público, mostrando suas feridas e manchas, mas o abraço é carinhoso, repleto da pele quente de uma pessoa real, e por isso, quando Iñárritu simplesmente os mata ou amputa ou lhes despeja uma gota de sofrimento-surpresa da maneira mais apática possível, como um Deus entediado, apenas narrando o fato que é interpretado com as vísceras de algum bom ator qualquer, apunha-la o peito do espectador na escuridão da sala onde as pequenas letras de luzes brancas sobem. Mas nem tudo é dor nessa relação de gente ficional e gente real, ou eu poderia dizer gente real x gente mais real ainda. Há beleza também. Ela existe, um pouco escondida, claro, mas existe e entremeia o filme, chegando a uma forma quase concreta no fim. Porque a dor assume a aparência de uma escada, não é? Não pra quem a sente agora. Mas se depois dela você olha pra trás - surpresa! - já foram três ou quatro degrais dos aprendizados da vida escada acima. Dessa forma as personagens entendem. Entendem coisas sobre si mesmas, sobre quem as rodeia, sobre o mundo. Eu teria que contar cada história pra que vocês entendessem o que elas entendem.
Tecnicamente a estrutura de cenas, fragmentadas como um quebra-cabeça no caso de 21 gramas; linear, mas dependendo da visão de cada personagem pro todo ter sentido como acontece em Amor cão; e entrecortado em sua simultaneidade de várias personagens e histórias, caso de Babel, obriga a mente telespectadora a trabalhar, a estar presente em todos os segundo do filme pra que nada passe desapercebido. Mas é preciso assistir a Alejandro González-Iñárritu ou as minhas palavras ficarão desfocadas pra vocês, leitores. O que eu disse será forma e abstração. Portanto espero que assistam e sintam lá o que Deus quiser.

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